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Artigos e notícias

Animais de assistência emocional e o Direito

Por Ricardo Key Sakaguti Watanabe - 04/02/2022

São notáveis as modificações contemporâneas no tratamento jurídico conferido aos animais em sua relação com as pessoas e as famílias. Antes tipificados na lei como coisas, hoje vistos como seres sencientes e admitidos até como partes em processos judiciais e merecedores da tutela jurisdicional. 


Nesse avanço, merecem atenção as relações afetivas entre pessoas e os animais de assistência emocional (também conhecidos como animais de apoio ou suporte emocional), que são quaisquer animais utilizados por orientação profissional para fins terapêuticos, mediante oferecimento de conforto psicológico e bem-estar (por exemplo, a pessoas com transtorno do espectro autista ou em tratamento de distúrbios psiquiátricos como depressão ou ansiedade). 


Diferentemente dos animais de serviço (dos quais se exige especial treinamento e capacidade de execução de determinadas tarefas em benefício de alguma pessoa – como, por exemplo, cães-guia que auxiliam pessoas com deficiência visual), qualquer animal pode servir de suporte emocional, mesmo que não seja treinado a realizar trabalho algum. A simples companhia do animal pode ser determinante num tratamento e na qualidade de vida de uma pessoa.


São variados os tipos de animais de assistência emocional, cuja convivência pode trazer variados benefícios: cães, gatos, roedores, coelhos, peixes, tartarugas, pássaros, répteis e outros. 


Conquanto ainda não haja no Brasil regulamentação específica, vem sendo admitida cada vez mais a presença dos animais de assistência emocional no cotidiano das pessoas (como no transporte público e em locais usualmente restritos aos pets em geral), sobretudo quando as benesses são atestadas por meio de laudo médico ou psicológico.


Em algumas situações tem sido necessária a intervenção do Poder Judiciário, como se nota em recentes demandas judiciais envolvendo transporte e embarque de animais de assistência emocional em viagens aéreas. 


Num desses casos, uma companhia aérea impediu o embarque de um cão de assistência emocional de um passageiro com transtorno do espectro autista. Diante disso, o Poder Judiciário determinou à companhia aérea “a adoção das providências necessárias para autorizar o autor a embarcar com seu cão de suporte emocional”, sob o fundamento de que “não se justifica o tratamento desigual entre o passageiro deficiente visual, que precisa viajar com seu cão guia, em relação ao passageiro com transtorno psíquico, que necessita viajar com seu animal de assistência emocional” (autos nº 0700266-45.2022.8.07.0020 – 3ª Vara Cível de Águas Claras-DF).


Em outra demanda, uma família foi impedida de embarcar com um animal (hamster) de suporte emocional da filha portadora de transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH). Na ação judicial, foi determinado à companhia aérea que providenciasse o embarque do tutor acompanhado do animal “na cabine da aeronave”, sob o fundamento de que “é inquestionável o reconhecimento de um direito de proteção aos animais, não sendo razoável e proporcional exigir-se que a menina seja despida de seu companheiro que lhe dá segurança de ser; e ele, nela, tem a cuidadora, com quem está acostumado” (autos nº 5000832-57.2022.8.24.0090/SC - Juizado Especial Cível e Criminal da Universidade Federal de Santa Catarina-SC).


Esses exemplos revelam uma característica comum: a controvérsia instaurada por omissão legislativa. 


No caso específico das viagens aéreas, atualmente vigoram normas administrativas da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) que preveem apenas o embarque de cães guia para auxiliarem pessoas com deficiência visual. E isso tem dado margem a arbitrariedades e discriminação por parte das companhias aéreas em face de outras situações.

 
Sobre o tema, tramita na Câmara dos Deputados o projeto de lei nº 3.759/20, que visa a garantir o embarque de animais de serviço e de assistência emocional na cabine da aeronave juntamente com o passageiro. A lei teria o objetivo de “assegurar que esses animais (...) possam estar na cabine do avião, assistindo seu dono e fornecendo conforto emocional com sua presença”, inclusive com o fim de “inclusão social e importante valorização humana, pois permitirá que essas pessoas possam se aventurar em novos destinos sabendo que terão a companhia de seu animal durante toda a viagem” (como consta da exposição de motivos do projeto de lei).


Espera-se, portanto, que o legislador regulamente a matéria e consiga apaziguar essas situações de incerteza, contraditórias e até desprovidas de bom senso, à luz dos princípios constitucionais como da dignidade da pessoa humana, do interesse público, da razoabilidade e da proporcionalidade. Afinal, seguindo a lição de Pontes de Miranda, o direito não é outra coisa senão processo de adaptação social. 

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