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Textos jurídicos sobre a COVID-19

Possibilidade de substituição do índice de correção nos contratos de locação

Por Geandro Luiz Scopel - 16/04/2021

A atual situação sanitário-econômica vem ocasionado inúmeros impactos na sociedade, não sendo possível prever a curto prazo uma retomada da normalidade nas relações sociais. Nesse contexto é possível notar esforços dos Poderes e do setor privado através de medidas de concessão mútuas objetivando salvaguardar as relações jurídicas-comerciais.


Com isso, resta evidente que todos, em certa medida, buscam de forma proativa soluções para o imprevisível e acima de tudo a manutenção de sua atividade ou da relação contratual, sendo evidente a influência da boa-fé objetiva nas relações contratuais.
Oportuno destacar a alta histórica dos índices de correção que usualmente são utilizados em contratos de locação (o IGP-M registrou aumento de 28,94% e IGP-DI de 29,95% - referente aos doze meses anteriores a fevereiro/21 - www.ibge.gov.br/explica/inflacao). Em contraste a isso, as relações comerciais em sua grande proporção passam por extrema dificuldade desde março/20, em decorrência da pandemia (COVID-19) e respectivas regras restritivas que levam aos resultados negativos na “saúde” financeira da população.


Nas relações locatícias, frente à alta histórica dos índices de reajuste, abre-se o pórtico jurídico para se buscar a substituição do indexador de reajuste com vista à manutenção do equilíbrio contratual e como alternativa à crise econômica-sanitária que assola muitas pessoas físicas e jurídicas que tiveram redução em suas receitas.


Nesse contexto, o principal fundamento à possibilidade de substituição do critério de reajuste das locações é a composição dos índices IGP-M e IGP-DI, que têm como principal indexador a variação de bens e serviços, em especial matérias primas de produção agrícola, industrial e construção civil sujeitas a forte impacto da variação cambial do dólar (IPA – índice de preços ao produtor amplo; IPC – índice de preços ao consumidor e INCC – índice nacional da construção civil). Isso, em tese, destoa da real finalidade do reajuste dos alugueis, qual seja, a de simplesmente assegurar a preservação do valor da moeda frente aos efeitos inflacionários, e não propiciar ao locador uma rentabilidade.


Isso significa dizer que, em determinadas situações, a depender da análise casuística, a variação do IGP-M e IGP-DI pode não corresponder aos reais efeitos inflacionários suportados pelo locador e, deste modo, não se justificaria sua incidência na relação locatícia.


Dito isso, é de destacar o princípio da boa-fé objetiva e dever de cooperação dos contratantes, o Código Civil prevê em seu artigo 480 que “se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterada o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva”. 

 

Combinado a isso prevê ainda o artigo 478 do Código Civil que “nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato” e ainda o artigo 317-CC que prevê: “quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação”.

 

Não é demais lembrar das lições de ORLANDO GOMES de que há onerosidade excessiva “quando uma prestação de obrigação contratual se torna, no momento da execução, notavelmente mais gravosa do que era no momento em que surgiu” (“Contratos”, 16. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 179).

 

Nessa perspectiva, a variação excepcional dos índices de correção dos contratos de locação em tese preencheria o requisito da imprevisibilidade disposto na legislação, ensejando a possibilidade da revisão contratual sob o fundamento da onerosidade excessiva e com vista a reequilibrar a relação contratual colocando-a numa realidade mais próxima ao contexto da celebração da avença, permitindo com isso a manutenção da relação contratual bem como seu integral adimplemento.

 

Certamente o primeiro passo é buscar uma equalização das relações jurídicas (locador e locatário buscarem juntos a melhor composição), haja vista o disposto no artigo 421-A do Código Civil que estabelece a intervenção mínima e de forma excepcional e limitada do Poder Judiciário.

 

Outrossim, nas situações excepcionais de judicialização da relação contratual, o Poder Judiciário tem se posicionado caso a caso sobre os efeitos da situação pandêmica atual, de modo que, sobre relações de locação, há decisões deferindo a substituição do índice de correção (IGP-M e IGP-DI) pelo IPCA (aumento próximo de 5%) ou outro índice que cumpra a finalidade de recomposição do valor do aluguel (inflação para o período), a fim de reestabelecer o equilíbrio do contrato e manutenção da relação contratual (AI n. 2298701-80.2020.8.26.0000-TJSP e AI 2012910-93.2021.8.26.0000-TJSP), evitando-se um mal maior que sobreviria com eventual rompimento do contrato.

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