Textos jurídicos sobre a COVID-19
COVID-19 – demissão por justa causa ante a recusa à vacinação
Por Marcelo Groppa - 12/02/2021
Com o início da campanha de imunização da população pelo Poder Público contra o novo coronavírus, surgiu uma questão a ser dirimida nas relações de trabalho: o empregador pode exigir que o empregado se submeta à vacina? E, dessa questão, surge outra que vai além: o empregado que apresentar recusa à vacinação pode ser demitido por justa causa?
Pois bem. A demissão por justa causa está prevista no artigo 482 da CLT que impõe um rol taxativo para sua aplicação, a saber:
a) ato de improbidade;
b) incontinência de conduta ou mau procedimento;
c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço;
d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena;
e) desídia no desempenho das respectivas funções;
f) embriaguez habitual ou em serviço;
g) violação de segredo da empresa;
h) ato de indisciplina ou de insubordinação;
i) abandono de emprego;
j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
l) prática constante de jogos de azar;
m) perda da habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei para o exercício da profissão, em decorrência de conduta dolosa do empregado.
Em uma primeira leitura, pareceria que a simples recusa do empregado em participar da campanha nacional de imunização contra a COVID-19 não caracterizaria falta grave bastante a ensejar a sua demissão por justo motivo, uma vez que, a grosso modo, não se enquadraria em nenhuma das hipóteses ensejadoras do rompimento contratual nessa modalidade.
Contudo, a referida campanha de imunização tem sua origem em uma Lei Federal (nº 13.979/2020), em cuja alínea d do inciso III do artigo 3º determina expressamente que “para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta Lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, as seguintes medidas: determinação de realização compulsória de: vacinação e outras medidas profiláticas”, revelando o caráter compulsório da vacina aos cidadãos, especialmente pela coexistência em sociedade.
Transpondo essa determinação às relações de trabalho, a conclusão não poderia ser diferente, uma vez que o empregador tem o poder-dever de: “i) cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho; ii) instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais; e iii) adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão regional competente” (CLT, art. 157).
Por sua vez, os trabalhadores têm o dever de “observar as normas de segurança e medicina do trabalho, inclusive as instruções” emanadas pelo empregador e “colaborar com a empresa na aplicação dos dispositivos” relacionados à segurança e medicina do trabalho, constituindo ato faltoso a recusa injustificada “das instruções expedidas pelo empregador” acerca disso, tudo na forma do artigo 158, da CLT.
Nesse contexto, a campanha de imunização é considerada uma das formas de proteção coletiva dos trabalhadores no ambiente laboral, posto que a possibilidade de contaminação por vírus causador de doença infectocontagiosa é considerada um risco biológico (NR15, anexo XIV), sendo certo que a recusa injustificada do empregado em observar as medidas protetivas instituídas pelo empregador caracteriza falta grave.
Por outro lado, a recusa (à vacinação) pode ser considerada injustificada se decorrer de situações e questões que não causem prejuízo à integridade física trabalhador, pois, na hipótese de haver o risco de alguma reação alérgica (aos componentes da vacina) ou contraindicação médica, por exemplo, restará justificada a recusa para a vacinação, desde que devidamente comprovada.
Retornando, então, às hipóteses do artigo 482, da CLT, em caso de recusa injustificada da observância às medidas instituídas pelo empregador no ambiente laboral para a proteção coletiva, com vista a evitar o surgimento de doenças ocupacionais (no que se inclui a adesão à campanha de vacinação), fica caracterizada a insubordinação exatamente como prevê a alínea “h”, do mencionado artigo, sendo possível a dispensa por justa causa nesse sentido.
A propósito, como o empregador tem o dever de “cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho”, eventual contaminação de seu(s) colaborador(es) no ambiente de trabalho pelo novo coronavírus, resultante da inexistência ou precariedade das medidas de contenção da propagação do vírus, será considerada como doença ocupacional.
Por derradeiro, importante esclarecer que, como a demissão por justa causa é a penalidade máxima dada ao empregado pelo empregador, deve, sempre, ser observado o princípio da proporcionalidade para sua aplicação, sendo necessário, para sua validade, que a empresa tenha efetiva e previamente orientado o trabalhador quanto à importância da vacinação como medida protetiva, por meio de cursos, treinamentos ou campanha de conscientização, dado que, como já dito, ao empregador cabe “instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais”.