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Textos jurídicos sobre a COVID-19

Suspensão da contagem de tempo de serviço na concessão de adicionais - LC 173/2020

Por Ricardo Key Sakaguti Watanabe - 12/08/2020

No último dia 28, a Prefeitura Municipal de Curitiba emitiu comunicado aos servidores públicos municipais de que está suspensa a contagem do tempo de serviço para fins de concessão de adicionais por tempo de serviço e licenças-prêmios, durante o período de 08 de maio de 2020 a 31 de dezembro de 2021. A contagem só será restabelecida a partir de 1º de janeiro de 2022.

A suspensão seria uma imposição da Lei Complementar (LC) nº 173/2020, que instituiu o “Programa Federativo de Enfrentamento do Coronavírus”. Segundo o comunicado, essa norma federal imporia uma regra geral à União, aos Estados e aos Municípios, segundo a qual, durante o período acima referido, estaria vedada a contagem do tempo de serviço “para a concessão de anuênios, triênios, quinquênios, licenças-prêmio e demais mecanismos equivalentes que aumentem a despesa com pessoal”.

 

A LC nº 173/2020 impôs novas regras (transitórias) à situação excepcional de calamidade pública que já era regulamentada pelo art. 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/2000). Por conta de acordos entre variados entes da federação, buscou-se viabilizar um auxílio financeiro da União, por meio da liberação de recursos e isenções fiscais a Estados e Municípios, aos quais, em contrapartida, foi conferido o compromisso de adotar medidas de contenção de despesas.

 

Assim, adveio a regra do art. 8º, IX, da LC nº 173/2020, segundo a qual “a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios (...) ficam proibidos, até 31 de dezembro de 2021, de: (...) IX - contar esse tempo como de período aquisitivo necessário exclusivamente para a concessão de anuênios, triênios, quinquênios, licenças-prêmio e demais mecanismos equivalentes que aumentem a despesa com pessoal em decorrência da aquisição de determinado tempo de serviço”.

 

Sobre o assunto, o Ministério da Economia expediu a nota técnica SEI nº 20581/2020/ME (processo nº 19975.112238/2020-40), com o esclarecimento de que, para “concessão de anuênios, triênios, quinquênios, licenças-prêmio e demais mecanismos equivalentes”, os servidores que “não tenham completado o respectivo período aquisitivo até essa data, independentemente de faltar um dia ou mais, terão a contagem suspensa até 31 de dezembro de 2021 e retomada a partir de 1º de janeiro de 2022”.

 

No entanto, atualmente há arguição de inconstitucionalidade da referida LC nº 173/2020, que pende de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (ADI 6.447). E, sem embargo das várias questões ali submetidas à apreciação da Suprema Corte, parece relevante o questionamento da ilegalidade da medida específica de suspensão de plano da contagem do tempo de serviço, de servidores públicos estaduais e municipais, aplicada de plano sem amparo em legislação própria. 

 

Essa situação em tese caracteriza afronta ao princípio da legalidade, na medida em que submeteria o cumprimento de uma lei vigente, válida e eficaz à discricionariedade do Poder Executivo (estadual ou municipal).

 

No modelo federativo estabelecido pela Constituição Federal (cláusula pétrea), vigora a distribuição de recursos tributários e a repartição de competências entre os entes federados, de modo que os Estados-membros e os Municípios gozam de autonomia e capacidade de auto-organização e autolegislação conforme previsto nos arts. 25 e 29 da Carta. 

 

Com efeito, não parece sustentável a ideia de que a LC nº 173/2020, ao estabelecer alterações na Lei de Responsabilidade Fiscal, por si teria imposto limitações genéricas, objetivas e diretas na realização de gastos pelos entes federados. Isso poderia acarretar invasão à esfera de atuação do Poder Legislativo dos Estados e Municípios e, bem assim, na capacidade de autogestão destes que, nesse contexto, ficariam vinculados (e subordinados) a critérios vigentes no âmbito da União – o que contraria a ideia de descentralização política e autonomia administrativa, financeira e orçamentária.

 

Ademais, pela interpretação do art. 8º, IX, da LC nº 173/2020, vislumbra-se que a suspensão da contagem do tempo de serviço se dirige a gastos que necessariamente “aumentem a despesa com pessoal”, com o objetivo de se evitar o desequilíbrio das contas. A contrario sensu, essa restrição não seria aplicável, por exemplo, nas situações em que houve prévia e suficiente dotação orçamentária e não há risco de extrapolação dos limites de gastos. 

 

Como o objetivo da Lei de Responsabilidade Fiscal é, de fato, buscar o equilíbrio fiscal na gestão pública, não parece razoável admitir que a referida norma, por si, imponha medidas restritivas que não se atenham a essa finalidade, sobretudo com base em critério genérico e abstrato (alheio às heterogeneidades dos entes federados, em afronta aos princípios da isonomia, da razoabilidade e da proporcionalidade) e prejudicial a direitos individuais amparados em lei própria (vigente, válida e eficaz) e em dotação orçamentária.

 

Segundo a jurisprudência do STF (Primeira Turma, rel. Min. Sepúlveda Pertence, AI 363129 AgR, DJ 08/01/02) e STJ (Quinta Turma, rel. Min. Felix Fischer, RMS 30428/RO, DJ 15/03/10), nem mesmo eventuais limitações de gastos com pessoal ou ausência de previsão orçamentária seriam aptas a exonerar a Administração Pública do cumprimento de obrigações de pagar previstas em lei.

 

Vale citar o precedente da Turma Recursal do Estado do Paraná, segundo o qual “toda criação de meio de progressão ou vantagem remuneratória pressupõe indicação de fonte de custeio que garanta o pagamento imediato, nos termos do art. 169, §1º, da Constituição Federal” (4ª Turma Recursal, Rel. Juiz Aldemar Sternadt, RI 0001843-76.2018.8.16.0089, julg. 12/03/20). Sob essa ótica, não se mostra viável presumir que toda concessão de “vantagem remuneratória” necessariamente implicaria o aumento de “despesas com pessoal” vedado pelo art. 8º, IX, da LC nº 173/2020.

 

Enfim, a depender da gestão dessa questão nas esferas estadual e municipal, poderão surgir questionamentos judiciais sobre a preservação dos direitos dos servidores afetados (anuênios, triênios, quinquênios, licenças-prêmio).

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