top of page

Textos jurídicos sobre a COVID-19

Suspensão de aulas e conversão de aulas presenciais em remotas – reflexos nas mensalidades

Por Ricardo Key Sakaguti Watanabe - 02/06/2020

As medidas de enfrentamento da pandemia da COVID-19 motivaram várias instituições de educação superior a adaptarem suas rotinas, o calendário e o formato das aulas, no intuito de se tentar preservar a adequada prestação dos serviços educacionais apesar dos óbices decorrentes do distanciamento social.


No entanto, sem prejuízo dessa louvável e compreensível postura das instituições de ensino, percebe-se certa aflição e descontentamento por parte de alunos, para quem essa nova realidade parece incompatível com o valor das mensalidades que se mantêm inalteradas. 


De modo geral, as controvérsias (entre aluno e instituição) são focadas nos impactos que a adequação dos serviços provoca na base objetiva do contrato de prestação de serviços educacionais e que, por consequência, haveria de refletir também no valor das mensalidades, sobretudo em virtude: a) da substituição das aulas presenciais por aulas remotas; e b) da suspensão total das aulas práticas. 


Em primeiro lugar, cabe ressaltar que a Portaria nº 343/2020 do Ministério da Educação autorizou (e não obrigou) a substituição das aulas presenciais por remotas, ou seja, “que utilizem meios e tecnologias de informação e comunicação”. 


Por outro lado, há casos em que essa substituição não é possível. Conforme o §3º do art. 1º da referida Portaria, “fica vedada a aplicação da substituição de que trata o caput às práticas profissionais de estágios e de laboratório” (§3º). A norma ainda prevê restrições específicas para o curso de Medicina, para o qual “fica autorizada a substituição de que trata o caput apenas às disciplinas teóricas-cognitivas do primeiro ao quarto ano do curso”.


Logo, se as aulas presenciais foram simplesmente suspensas, seja por opção da instituição, seja por imposição legal (aulas práticas), a priori não se vislumbra embasamento para revisão do valor das mensalidades, desde que os serviços venham a ser prestados com a mesma qualidade contratada oportunamente após o fim do período de distanciamento social, e desde que seja cumprida a carga horária estabelecida para o plano de curso. 


No entanto, considerando os efeitos nefastos da pandemia da COVID-19, merece ponderação a viabilidade de prorrogação parcial das mensalidades, na proporção das disciplinas suspensas, de modo a se exigir o respectivo pagamento apenas no momento oportuno da prestação dos serviços. Embora deva ser analisada caso a caso – com amparo, sobretudo, nas condições pessoais dos envolvidos, na boa-fé, no bom senso e na solidariedade – essa alternativa pode trazer tranquilidade e pacificação social com benefícios numa via de mão dupla (resultado “ganha-ganha”): ao aluno, que seria agraciado com um fôlego financeiro nesse momento de dificuldade; à instituição de ensino, que, além da possibilidade de redução de custos e benefícios fiscais oriundos da pandemia, ainda teria resguardada a remuneração dos serviços (que ficaria apenas sobrestada). 


Lembrando que a instituição de ensino é contratada para prestar serviços educacionais mediante o respectivo pagamento (usualmente em mensalidades). Para o aluno, há a obrigação de pagar (com vencimentos pré-fixados) que, em tese, não foi objetivamente afetada pela pandemia (embora sejam notórias as dificuldades financeiras enfrentadas por todos, de modo geral). Por outro lado, há a obrigação da instituição de prestar o serviço, que, embora não possa ser cumprida (presencialmente) durante o distanciamento social, poderá sê-lo futuramente. Daí a conveniência de eventual prorrogação parcial da mensalidade, como alternativa para se atender os anseios e as necessidades de ambos os contratantes.


Já a substituição das aulas presenciais por aulas remotas pode implicar alteração objetiva do contrato no tocante à forma da prestação dos serviços contratados (a depender das disposições contratuais do caso concreto). Isso, em tese, pode justificar a revisão da mensalidade.


Cumpre avaliar a qualidade e a eficiência dessa alternativa como meio apto ao cumprimento da obrigação contratual da instituição de ensino sem prejuízo dos direitos e do bem-estar dos alunos. Segundo o §2º do art. 1º da Portaria nº 343/2020 do Ministério da Educação, “será de responsabilidade das instituições a definição das disciplinas que poderão ser substituídas, a disponibilização de ferramentas aos alunos que permitam o acompanhamento dos conteúdos ofertados bem como a realização de avaliações durante o período da autorização de que trata o caput”. 


Nesse particular, cabe ponderar também os impactos econômico-financeiros decorrentes dessa mudança na base objetiva do contrato. Vale citar, por exemplo, eventual diferença de preço nas ofertas de ensino presencial e de ensino à distância, caso em que não parece razoável nem lógico que aluno de ensino presencial pague valores diversos daqueles pagos por aluno de ensino à distância, se ambos assistem só aulas remotas. Ou, ainda, a hipótese de redução significativa dos custos operacionais dos serviços (aluguel, manutenção e limpeza de estrutura física e materiais, salários, tributos, luz, água etc.) que implicaria um desequilíbrio contratual em favor da instituição de ensino e que, portanto, também justificaria uma revisão do valor da mensalidade. Tudo com amparo nos princípios da boa-fé, da razoabilidade e do não enriquecimento sem causa. 


Enfim, a prorrogação parcial e a revisão das mensalidades mostram-se viáveis, mas devem ser aplicadas de forma refletida e ponderada conforme as peculiaridades do caso concreto, restritas a situações de efetivo desequilíbrio contratual e preferencialmente pela via consensual.

bottom of page