Textos jurídicos sobre a COVID-19
COVID-19 – Requisição de serviços pelo Poder Público
Por Ricardo Key Sakaguti Watanabe - 15/04/2020
No dia 2/4/2020 foi publicada no Diário Oficial da União a Portaria nº 639/2020 do Ministério da Saúde, dispondo sobre a ação "O Brasil Conta Comigo - Profissionais da Saúde", voltada à capacitação e ao cadastramento de profissionais da área de saúde, para o enfrentamento à pandemia do coronavírus (COVID-19).
Em resumo, a referida norma instituiu um “cadastro geral de profissionais da área da saúde habilitados para atuar em território nacional, que poderá ser consultado pelos entes federados, em caso de necessidade, para orientar suas ações de enfrentamento à COVID-19” e previu a implantação de um programa de “capacitação dos profissionais da área de saúde nos protocolos oficiais de enfrentamento à COVID-19”.
Não se trata de uma convocação propriamente dita – como foi cogitado num primeiro momento pelos profissionais da área da saúde – mas, sim, de medida voltada ao simples cadastramento de profissionais dispostos a contribuir e à capacitação específica deles para oportuna atuação frente à pandemia (se e quando houver necessidade).
Cabe ressaltar, no entanto, que essa convocação pode vir a ocorrer, a depender do alastramento da epidemia, da quantidade de profissionais aptos ao atendimento dos necessitados e da capacidade dos serviços de saúde.
A Constituição Federal estabelece, no art. 5º, XXV, que “no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano”. Trata-se do instituto jurídico da requisição administrativa, pelo qual a Administração Pública pode intervir temporariamente na esfera privada (aí considerados bens e serviços particulares) caso isso seja necessário à salvaguarda da coletividade, mediante a respectiva reparação em caso de dano.
No âmbito da saúde pública, o art. 15, XIII, da Lei nº 8.080/90 (legislação do Sistema Único de Saúde) preceitua que “para atendimento de necessidades coletivas, urgentes e transitórias, decorrentes de situações de perigo iminente, de calamidade pública ou de irrupção de epidemias, a autoridade competente da esfera administrativa correspondente poderá requisitar bens e serviços, tanto de pessoas naturais como de jurídicas, sendo-lhes assegurada justa indenização”.
Nesse sentido, a Lei nº 13.979/20 dispõe, em seu art. 3º, VII, dentre as “medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus”, a possibilidade de “requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas, hipótese em que será garantido o pagamento posterior de indenização justa”. E aqui uma ressalva: essa lei prevê o pagamento posterior de indenização justa em caso de requisição.
Alguns Estados já estão preparando o terreno para adoção de medidas nesse sentido. No âmbito do Estado do Paraná, sobreveio o Decreto Estadual nº 4.315/20 prevendo que “o Secretário de Estado da Saúde poderá requisitar máscaras cirúrgicas, máscaras de proteção, luvas de procedimento, aventais hospitalares, antissépticos para higienização, bem como outros bens, móveis e imóveis, ou serviços de pessoas naturais ou jurídicas” (art. 16), que, “deverá ser fundamentada e garantir a indenização posterior ao particular, utilizando como base referencial a Tabela SUS, quando for o caso, ou a justa indenização”.
De todo modo, e por maior que seja o clamor decorrente do estado de calamidade pública, incumbe ao gestor público a devida ponderação e justificação de atos dessa natureza, de forma clara e transparente no que diz respeito à sua real necessidade e conveniência, já que podem acarretar a colisão de princípios jurídicos e o confronto entre interesse coletivo e direitos e garantias individuais.