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Lei da Liberdade Econômica. A intenção e liberdade na formação dos negócios jurídicos 

A Lei 13.874/2019, conhecida como lei da liberdade econômica, trouxe inúmeras alterações legislativas, sobretudo no que diz respeito à interpretação dos negócios jurídicos patrimoniais (contratos). Isso porque tal inovação legislativa inclui na legislação vigente (Código Civil) dispositivos que pretendem dar parâmetros objetivos que facilitem a aplicação e interpretação do princípio norteador das relações contratuais (art. 422, Código Civil), a saber: boa-fé objetiva.


Em linhas gerais a doutrina (Fréderique Ferrand citado por Humberto Theodoro Júnior) conceitua que: “O princípio da boa-fé objetivada visa, ordinariamente, a completar a convecção, estatuindo, no claro das declarações das partes (...). Não necessariamente para modificar o negócio jurídico querido pelos contratantes, mas para integrá-lo. (...) o princípio da boa-fé objetiva é utilizado para realizar uma interpretação integrativa ou completiva, pois serve para “o juiz introduzir na relação contratual obrigações e deveres que nela não figuraram originariamente, mas que “a boa-fé” e os usos observados nos negócios justificam.”. (in O Contrato e sua Função Social, 2014, pág. 27) 


Portanto, dá boa-fé objetiva decorre o dever de os contratantes estabelecerem e respeitarem uma série de padrões éticos e comportamentais, tais como: não se beneficiar da própria torpeza, não exigir o cumprimento de normas que desrespeitou, não aumentar intencionalmente o seu próprio prejuízo e não se comportar de maneira contraditória, ou seja, são deveres anexos à boa-fé ou corolários do princípio da boa-fé.

 

Assim a lei da liberdade econômica incluiu no artigo 113 do Código Civil (“Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar da sua celebração”) os parágrafos primeiro e segundo. De tais parágrafos observa-se que a intenção foi de trazer ao direito positivado definições de interpretação mais objetivas, e aqui notável a menção dos incisos IV e V (parte final), do parágrafo primeiro: “IV – for mais benéfico à parte que não redigiu o dispositivo, se identificável; e V – (...) consideradas as informações disponíveis no momento de sua celebração.


Seguindo o posicionamento da doutrina e da jurisprudência sobre a matéria, na chamada: interpretatio contra proferentem, veja-se que o citado inciso IV ao tratar da ampliação legislativa – antes restrita aos contratos conhecidos como “de adesão” (art. 423 do Código Civil) –, em defesa dos aderentes contratuais, ou seja, aqueles submetidos à imposição de condições nas negociações. Assim, em eventual controvérsia, a interpretação da cláusula passa a ser mais favorável para aquele que não a redigiu.

 

De outro lado, quanto ao inciso V supra referido, igualmente atendendo ao respeito ao princípio da boa-fé contratual, traz fundamental previsão legislativa quanto a importância da formação do negócio jurídico, ou seja, das tratativas pré-contratuais.

 

No que tange à responsabilidade civil pré-contratual e seus desdobramentos quanto a possibilidade de indenizações correlatas, em decorrência do injusto rompimento das negociações, os tribunais pátrios pacificaram posicionamento a esse respeito, em interpretação ao contido nos artigos 186 944 do Código Civil.

 

Destaca-se das lições de Orlando Gomes: “Aquele que é ilaqueado em sua boa-fé, frustrando sua fundada esperança de contratar, tem direito à reparação dos prejuízos sofridos, isto é, ao interesse contratual de negativo.” (in Contratos, 18 ed. 1999, pág. 61) e das de Araken de Assis: “Descumprindo os deveres inerentes à boa-fé objetiva, retirando-se das negociações sem justa causa (...) ou incitando-se maliciosamente, responderá o participante pelo dano, indenizando o interesse negativo do outro lado.” (in Comentários ao Código Civil Brasileiro, vol. 5, 2007, pág. 152).

 

Como disposto na doutrina e decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, a responsabilidade civil decorrente do injusto rompimento, ou seja, antes da formalização da contratual, deve estar adstrita apenas ao correspondente aos interesses negativos – prejuízos experimentados durante a negociação do contrato até o injusto rompimento.

 

Outra inovação decorrente da lei da liberdade econômica diz respeito aos negócios jurídicos que efetivamente são contratados, pois dispõe que em eventual divergência contratual, a interpretação “deve atribuir o sentido que: (...) consideradas as informações disponíveis no momento de sua celebração.” – inciso V, do paragrafo primeiro, art. 133 do Código Civil., não se podendo esquecer do inserido no artigo 421 e artigo 421-A do mesmo diploma legal no tocante a intervenção mínima, excepcional e limitada.

 

Nesse diapasão, a referida lei traz ponto nodal para a formação dos negócios jurídicos, notadamente, no tocante às intenções e considerações externadas pelos contratantes na fase pré-contratual, ou seja, a verdadeira intenção da contratação, sendo de primordial importância as partes envolvidas expressarem e registrarem tais circunstâncias, seja através das ofertas, propostas comerciais, pedidos de compra, etc... (forma física ou eletrônica-e-mail), ou até mesmo na preliminar contratual (“considerando”).

 

Realce a isso, que a teor da cooperação intersubjetiva dos negócios jurídico a boa-fé constitui, “em sua acepção objetiva, uma norma de conduta que impõe aos participantes da relação obrigacional um agir pautado pela lealdade, pela consideração dos interesses da contraparte.”(Judith Martins-Costa, in Comentários ao novo Código Civil, 2ª ed., vo. V, tomo I, pág. 42), decorrente da valorização conferida à legítima confiança que se desperta nos outros, pelos atos, ações e conduta.

 

Ao que parece, a verdadeira intenção do legislador foi estabelecer uma forma de interpretação dos negócios jurídicos, no que tange à liberdade de contratar, a qual traz, sobretudo, uma maior responsabilidade tanto para quem contrata como para quem elabora o instrumento formal de contratação. E, a despeito disso, observa-se que as alterações trazidas pelo legislador oferecerem às partes contratantes maior liberdade para estabelecer suas intenções e entendimentos, proporcionando com isso um aumento da segurança jurídica dos negócios – intervenção mínima, excepcional e limitada – com a prevalência das regras jurídicas definidas pelos contratantes inclusive quando da celebração do negócio jurídico, coibindo o comportamento contraditório (venire contra factum proprium: conflito entre dois comportamentos do mesmo agente em face do mesmo negócio jurídico), mas sempre com a observância das regras positivas (escritas expressamente em lei) e, em especial, do princípio da boa-fé objetiva.


 

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