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Duty to mitigate the loss – dever de o credor mitigar o próprio prejuízo

A boa-fé objetiva é o princípio norteador das relações contratuais (decorrente do art. 422, Código Civil) e que estabelece uma série de padrões éticos e comportamentais aos contratantes, tais como não se beneficiar da própria torpeza, não se comportar de maneira contraditória. São os chamados deveres anexos à boa-fé ou corolários do princípio da boa-fé objetiva. 

 

Dentre tais deveres decorrentes da boa-fé tanto a doutrina como jurisprudência consagram o dever de o credor mitigar seus próprios prejuízos – a teoria do duty to mitigate the loss –, ou seja, o dever do credor de buscar soluções ou providencias para se evitar o agravamento de seu próprio prejuízo.


A teoria do duty to mitigate the loss consiste em uma obrigação de o credor buscar meios de evitar o agravamento do devedor, colaborando com este na tomada de medidas cabíveis para buscar que o dano sofrido fique restringido a menor proporção possível, sob pena de ser excluída de seu crédito parcela que poderia ter sido evitado, decorrente da sua inércia-omissão.


Portanto, a referida teoria tem por objetivo analisar ou aplicar eventual sanção à vítima, em decorrência de sua obrigação-dever de se evitar a extensão do dano que lhe foi provocado, ou seja, faz-se necessário analisar se o comportamento do credor-vítima teve influência no montante a ser pago pelo devedor, e se positivo, qual a proporção que isso ocorreu.

 

Com essa definição é possível afirmar que a teoria do duty to mitigate the loss define quanto a possibilidade de se cobrar do credor atitudes destinadas a se evitar ou minimizar o agravamento do dano a ser suportado pelo devedor. Portanto, exige-se dos contratantes que devem agir com lealdade e confiança recíprocas – princípio da boa-fé contratual, significa dizer que o credor não pode deixar que os prejuízos sejam maiores do que eles realmente deveriam ser, contribuindo para isso, nem que seja por inércia-omissão.

 

Na legislação vigente, o artigo 422 do Código Civil representa o dever de colaboração dos contratantes, que deverá estar inserida em todas as fases contratuais. Nesse contexto legislativo, o entendimento da III Jornada de Direito Civil (Conselho da Justiça Federal) foi por editar o Enunciado n. 169 nos seguintes termos: “princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio prejuízo.”, o qual por sua vez vai ao encontro do artigo 77 da Convenção de Viena de 1980 que dispõe:


“A parte que invoca a quebra do contrato deve tomar as medidas razoáveis, levando em consideração as circunstâncias, para limitar a perda, nela compreendido o prejuízo  resultante da quebra. Se ela negligencia em tomar tais medidas, a parte faltosa pode pedir a redução das perdas e danos, em proporção igual ao montante da perda que poderia ter sido diminuída”.

Nesse diapasão, conclui-se que os deveres de lealdade e cooperação são imposição às partes contratantes, e em especial medida ao credor de colaborar com o devedor no sentido de que eventuais prejuízos sejam os mínimos possíveis sob pena de sofrer redução do quantum devido.

 

A jurisprudência do e. Superior Tribunal de Justiça já exemplificou situações que ensejem a aplicação do duty to mitigate the loss:


“ (...) 
e) correntista depositava valores em conta corrente para quitar financiamento, mas estes eram utilizados pelo banco para cobri saldo negativo do depositante, cujo valor, o banco deixou que superasse o limite de crédito concedido, correntista ajuizou ação de consignação em pagamento para quitar parcelas do financiamento; o pedido foi julgado procedente; (...).
    j) promitente-vendedor demorou, desde o inadimplemento, quase anos para ajuizar ação pedindo resolução do contrato, reintegração de posse e indenização “pelo tempo em que o imóvel ficou em estado de não fruição”; o valor da indenização foi reduzida; (...).
    m) administradora de cartões demorou quase cinco anos para cobrar judicialmente o pagamento de faturas, período em que a dívida do cliente inadimplente mais que dobrou; do débito forma excluídos juros de mora, correção monetária e multa moratória, desde a data do inadimplemento da primeira prestação até a data do ajuizamento da ação de cobrança.” (REsp n. 1.201.672/MS)

    

O mesmo Superior Tribunal de Justiça aplicou novamente a teoria do duty to mitigate the loss:

“DIREITO CIVIL. CONTRATOS. BOA-FÉ OBJETIVA. STANDARD ÉTICO-JURÍDICO. OBSERVÂNCIA PELAS PARTES CONTRATANTES. DEVERES ANEXOS. DUTY TO MITIGATE THE LOSS. DEVER DE MITIGAR O PRÓPRIO PREJUÍZO. INÉRCIA DO CREDOR. AGRAVAMENTO DO DANO. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. RECURSO IMPROVIDO.
1. Boa-fé objetiva. Standard ético-jurídico. Observância pelos contratantes em todas as fases. Condutas pautadas pela probidade, cooperação e lealdade.
2. Relações obrigacionais. Atuação das partes. Preservação dos direitos dos contratantes na consecução dos fins. Impossibilidade de violação aos preceitos éticos insertos no ordenamento jurídico.
3. Preceito decorrente da boa-fé objetiva. Duty to mitigate the loss: o dever de mitigar o próprio prejuízo. Os contratantes devem tomar as medidas necessárias e possíveis para que o dano não seja agravado. A parte a que a perda aproveita não pode permanecer deliberadamente inerte diante do dano. Agravamento do prejuízo, em razão da inércia do credor. Infringência aos deveres de cooperação e lealdade.
4. Lição da doutrinadora Véra Maria Jacob de Fradera. Descuido com o dever de mitigar o prejuízo sofrido. O fato de ter deixado o devedor na posse do imóvel por quase 7 (sete) anos, sem que este cumprisse com o seu dever contratual (pagamento das prestações relativas ao contrato de compra e venda), evidencia a ausência de zelo com o patrimônio do credor, com o consequente agravamento significativo das perdas, uma vez que a realização mais célere dos atos de defesa possessória diminuiriam a extensão do dano.
5. Violação ao princípio da boa-fé objetiva. Caracterização de inadimplemento contratual a justificar a penalidade imposta pela Corte originária, (exclusão de um ano de ressarcimento).
6. Recurso improvido.” (REsp n. 758.518/PR)

Destarte, cumpre ter presente que, para o credor, incide o ônus de agir para evitar ou mitigar o prejuízo, desde que a conduta a ser praticada esteja no âmbito da razoabilidade, em essência, pode-se dizer que o razoável é a conduta que está de acordo com o bom senso e que seria socialmente aceitável. Nessa esteira, conseguimos visualizar que as relações contratuais no direito brasileiro faz referência a teoria da mitigação, a exemplo o artigo 771 do Código Civil, ao dever do segurado em tomar providências imediatas e ainda no artigo 944 do mesmo Código, notadamente no seu parágrafo único que dispõe que “poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização.”, em que pese no caput haja a previsão que “a indenização mede-se pela extensão do dano.”


Por fim, não se pode deixar de trazer as lições da professora Vera Maria Jacob Fradera, uma das precursoras da teoria no direito brasileiro, a qual sustenta que “No âmbito do direito brasileiro, existe o recurso à invocação da violação do princípio da boa fé objetiva, cuja natureza de cláusula geral, permite um tratamento individualizado de cada caso, a partir de determinados elementos comuns: a prática de uma negligência, por parte do credor, ensejando um dano patrimonial, um comportamento conduzindo a um aumento do prejuízo, configurando, então, uma culpa, vizinha daquela de natureza delitual.” (texto da proposta da III Jornada de Direito Civil-CJF).

 

Como visto, o credor tem o dever de diminuir o próprio prejuízo para se eximir de eventual condenação sobre o dano causado ao devedor da sua inércia proposital (em desacordo ao princípio da boa-fé objetiva). Importante salientar ainda que é ônus do devedor demonstrar que a inércia do credor foi proposital (justamente para aumentar o valor da dívida, isto é, acrescida de juros e correção monetária).

 

De todo modo, vê-se que as soluções normativas concebidas para a figura são no sentido de o credor não dever ser obrigado a condutas anormais, esforços desarrazoados para se evitar ou diminuir o prejuízo, que diga-se, originou-se do inadimplemento do devedor.

  

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